O trabalho sobre duas rodas não é apenas uma escolha. Para muitos, é a única alternativa. O motoboy não sustenta apenas a si mesmo: ele é, em inúmeros lares, a principal ou única fonte de renda. Com frequência, carrega nas costas a responsabilidade por alimentar filhos, pagar aluguel, garantir estudos, remédios e contas que nunca esperam.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE), cerca de 84% dos motofretistas no Brasil são homens entre 20 e 45 anos, e mais de 60% deles vivem em lares onde representam o sustento principal. Boa parte mora em regiões periféricas, enfrentando longos deslocamentos até as áreas centrais onde se concentram as demandas de entrega. A jornada, como já apontado, costuma ultrapassar 10 horas diárias, muitas vezes sem pausas adequadas e sem qualquer garantia de descanso semanal.
Apesar da alta carga de trabalho, a renda média desses profissionais é baixa. Um estudo realizado em 2024 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) mostra que motoboys vinculados exclusivamente a aplicativos de entrega recebem, em média, R$ 1.800 mensais líquidos, valor que oscila conforme o volume de pedidos, as tarifas praticadas, os repasses das plataformas e os custos operacionais.
E os custos não são poucos. Combustível, manutenção da moto, troca de pneus, óleo, impostos e aquisição de equipamentos de segurança (capacete, capa de chuva, mochila térmica) ficam todos por conta do trabalhador. Estima-se que, em média, 30% da renda mensal de um motoboy é gasta apenas para manter o trabalho funcionando.
Esses gastos, somados à ausência de vínculo formal de emprego, transformam o motofrete em um campo de sobrevivência econômica. Sem férias, 13º salário, auxílio-doença, FGTS ou seguro-desemprego, qualquer imprevisto pode desestruturar completamente o orçamento doméstico.
O impacto vai além do financeiro. A sobrecarga de responsabilidades, o medo constante de acidentes e a pressão por rendimento formam um cenário de exaustão física e mental. Estudo do Instituto de Psicologia da USP apontou que motofretistas estão entre os trabalhadores com maior incidência de ansiedade e sintomas de burnout, revelando o adoecimento invisível de uma categoria que move a cidade, mas raramente é vista com o devido respeito.
A mão que entrega o lanche também segura a conta de luz. A que acelera entre carros parados é a mesma que paga o aluguel. A que enfrenta sol, chuva e madrugadas carrega mais que sacolas térmicas: carrega o peso do cotidiano de uma família inteira. Mesmo assim, pouco ou nada é feito para garantir segurança, estabilidade e reconhecimento a esses trabalhadores.
Essa desconexão entre a importância do serviço e a negligência das instituições revela a fragilidade de um sistema que se apoia sobre o esforço de milhares de homens e mulheres, mas falha em sustentá-los de volta.
Enquanto o debate sobre o futuro do trabalho avança em congressos e fóruns internacionais, muitos motoboys continuam sem sequer saber se vão conseguir voltar para casa. E mesmo assim, no dia seguinte, estarão de volta às ruas. Porque têm quem dependa deles. Porque, mais do que entregadores, são a mão que sustenta.