Capítulo 5 – O elo partido

 

As luzes pulsavam em vermelho. O som era constante — agudo, penetrante, enlouquecedor. Augusto sentia o metal frio da maca em contato direto com as costas, onde o chip fora inserido há dias. Ou semanas. Já não sabia.

Estava preso. Mas ainda não rendido.

Lembrava com nitidez da emboscada: ele e outros três haviam saído em busca de suprimentos. Uma patrulha Agharian apareceu do nada, armada com armaduras negras e garras vivas. O primeiro tiro foi para o chão — um aviso. O segundo foi para o peito de Enzo. Depois, apenas gritos, correria, fumaça.

E dor.

A última coisa que sentira antes de apagar fora uma agulha entrando em sua nuca.

Agora, seus olhos estavam abertos, mas não enxergavam com clareza. À sua frente, seres de aparência repugnante controlavam máquinas, ajustando frequências e códigos. Ele era mais um entre centenas, levado para a Zona de Reprogramação 7 — onde a mente era moldada à força.

— Unidade 43827: instável — anunciou um dos alienígenas, olhando uma tela translúcida. — Resistência emocional acima do aceitável.

Augusto cerrou os dentes.

— Eu não sou número nenhum, desgraçado.

— Início da sincronização de memórias — disse o outro, ignorando a frase.

De repente, o mundo mudou.

A maca desapareceu. A sala metálica também. Ele estava... em casa?

Sentiu o cheiro de pão queimando. Viu a mãe rindo na cozinha. Viu o pai entrando pela porta, suado, com o uniforme sujo e um sorriso cansado.

— Peguei mais arroz — dizia Antônio. — Tá caro, mas é o que temos.

Augusto, com cinco anos, corria pelo chão de cimento batido. A casa era pequena, mas havia calor ali. Amor. Lembranças que agora doíam.

Mas não era real.

Ele piscou, e estava de volta à maca. Seus músculos contraíam-se involuntariamente, como se lutassem contra comandos que não vinham dele. Vozes sussurravam dentro da cabeça. Vozes que não eram suas.

— Obedeça. Obedeça. Obedeça.

Uma lágrima escorreu sem permissão.

— Meu nome é Augusto Silva... — murmurou, quase sem som. — Eu sou filho do Antônio... eu...

Mas as palavras quebravam por dentro. A dor na espinha aumentava, como se o chip estivesse esquentando.

Eles tentavam quebrá-lo. Fragmentar tudo o que era. Seus valores, memórias, sentimentos. Queriam fazer dele um capacho obediente.

E quase estavam conseguindo.

Na escuridão de seus pensamentos, viu a si mesmo mais velho, olhando para o pai com raiva. Por que tinham brigado mesmo? Política? Medo? Um plano frustrado?

— Você não me ouve, pai. Nunca ouve. — era o que dissera.

Agora, tudo o que queria era ouvir a voz dele. Uma vez só. Uma frase.

— Continua, garoto. Resiste.

Mas ela não vinha. E o silêncio era pior que qualquer grito.

Na cela onde o mantinham, ao lado de outros humanos reprogramados, Augusto estava entre o delírio e o desespero. Suas mãos tremiam, mesmo presas. Seus olhos, ainda que abertos, já não sabiam distinguir o que era real.

E mesmo assim, no fundo, uma faísca ainda queimava.

— Eu sei quem sou... eu sei...

Por enquanto.