Capítulo 5: A Poetisa de Sengés

 Clara, 16 anos, carregava um caderno surrado pra todo lado em Sengés. As páginas estavam cheias de poemas que ela escrevia olhando o Rio Jaguaricatu ou as matas que cercavam a cidade. Era seu jeito de entender o mundo — as palavras dançavam na cabeça dela como as águas do rio, livres e inquietas. Mas ninguém sabia disso. O caderno era um segredo que ela guardava com medo de ser julgada.


Numa tarde quente, sentada na sombra de uma árvore na praça, Clara escrevia sobre o vento que soprava as folhas. Perdeu a noção do tempo, e o caderno ficou ali, esquecido, quando ela correu pra casa pra ajudar a mãe com o almoço. Horas depois, o pânico bateu.

— Meu caderno! — gritou ela, sozinha no quarto, as mãos no cabelo. — Eu deixei na praça!

Correu de volta, mas já era tarde. O caderno sumiu. No dia seguinte, o pior aconteceu. Andando pela escola, ouviu risadinhas e viu um grupo de meninas olhando o celular. Uma delas, a popular Letícia, leu alto, com voz debochada:— “O rio canta, e eu danço em silêncio”... Quem escreveu essa bobagem?

Clara congelou. Era seu poema. Alguém tinha achado o caderno e postado tudo num grupo da cidade no WhatsApp. O rosto dela queimou de vergonha, e ela saiu correndo pro banheiro, trancando a porta. Chorou até os olhos incharem, pensando em como Sengés inteira agora ria dela.

Em casa, a mãe, dona Fátima, notou os olhos vermelhos.

— O que foi, filha? — perguntou, parando de lavar a louça.

— Nada, mãe — mentiu Clara, a voz rouca. — Só um dia ruim.

Mas o dia seguinte trouxe uma surpresa. No intervalo da escola, o tímido Gabriel, que mal falava com alguém, se aproximou dela no pátio.

— Oi, Clara... Eu vi teu poema no grupo — disse ele, coçando a nuca. — Achei bonito. Parece o rio mesmo.

Ela piscou, sem saber o que dizer.

— Sério? — perguntou, desconfiada.

— Sério — respondeu ele, com um sorriso pequeno. — Minha vó também gostou. Ela disse que cê escreve com o coração.

Clara ficou quieta, mas algo mudou dentro dela. Naquela tarde, foi pra casa de Gabriel, onde a avó dele, dona Neuza, a esperava com um chá.

— Menina, você tem um dom — disse dona Neuza, os olhos brilhando. — Esse teu poema me lembrou minha infância no Jaguaricatu. Quem te roubou isso não sabe o valor que tem.

— Mas todo mundo tá rindo de mim — confessou Clara, mexendo o chá com a colher.

— Deixa rir — retrucou dona Neuza. — O importante é que você não pare de escrever.

Inspirada, Clara decidiu agir. Pegou o celular e postou no mesmo grupo: “Os poemas são meus. Quem achou meu caderno, pode devolver. E quem riu, problema é de vocês.”

O coração disparou enquanto ela apertava “enviar”, mas as respostas vieram rápido. Alguns pediram desculpas, outros até elogiaram. Letícia ficou quieta, o que já era uma vitória.

Dias depois, o caderno apareceu na caixa de correio, com um bilhete: “Desculpa. Gostei do que li.” Clara não sabia quem era, mas guardou o bilhete com um sorriso. Sentou-se na varanda, olhando o céu alaranjado de Sengés, e abriu uma página nova. Escreveu:

“O rio não para, e eu também não.
As palavras são minhas, e o silêncio acabou.”

Quando terminou, leu em voz alta, só pra ela e para o vento. Sengés podia ser pequena, mas Clara sabia que suas palavras podiam ir mais longe. E, pela primeira vez, ela quis que fossem.