Capítulo 5: A Repressão Policial

 Era uma tarde abafada, e o sol parecia pesar mais que o normal enquanto Chris caminhava de volta para casa. O dia de treino na escolinha havia sido puxado, mas ele estava feliz. Sentia que, a cada chute, a cada drible, se aproximava um pouco mais do sonho que parecia tão distante. O caminho de volta à favela, no entanto, sempre trazia uma mistura de sentimentos. Sair do ambiente da escolinha, onde por algumas horas ele podia focar apenas no futebol, e voltar para a realidade da comunidade era como ser arrancado de um sonho e jogado de volta na dureza do cotidiano.

As vielas já estavam movimentadas quando ele chegou. A movimentação da favela era constante: vendedores ambulantes, crianças brincando e os olhares atentos de quem conhecia bem o perigo iminente. Naquele dia, no entanto, havia algo diferente no ar. O barulho de helicópteros no céu, o som de sirenes ao longe, e os sussurros entre os moradores indicavam que algo estava para acontecer.

De repente, um estampido. E depois outro. Chris se encolheu instintivamente. Tiros.

— Operação policial! — gritou alguém correndo pelas vielas.

Ele conhecia bem o que isso significava. Toda a favela conhecia. Quando a polícia entrava, não havia espaço para distinguir entre inocentes e culpados. Para eles, todo jovem negro da comunidade era suspeito. Chris tentou apressar o passo, sentindo o coração bater mais rápido. Queria chegar em casa, queria escapar daquele caos que estava começando a se formar ao redor.

Mas antes que pudesse se afastar, um grupo de policiais surgiu na esquina. Eles estavam fortemente armados, com rostos cobertos por máscaras de proteção e olhares frios e impassíveis. Um deles apontou para Chris, o olhar já carregado de desconfiança.

— Aí, você! Para aí! — gritou o policial, com a arma em punho.

Chris parou no mesmo instante, as mãos tremendo de leve. Não era a primeira vez que ele via uma operação como aquela, mas nunca tinha sido parado diretamente. Sentia o suor escorrendo pela testa, enquanto os outros moradores começavam a se afastar, temendo serem pegos no fogo cruzado.

— Levanta as mãos! — gritou outro policial.

Chris obedeceu, levantando as mãos lentamente, o coração martelando no peito. Ele sabia que não adiantava protestar, sabia que qualquer movimento em falso poderia ser fatal. Seus olhos encontraram os do policial por um breve momento, e naquele olhar, Chris viu algo que o aterrorizou: não havia humanidade. Apenas uma determinação fria de ver todos ali como uma ameaça.

O policial se aproximou rapidamente e o empurrou contra a parede. Chris sentiu o impacto do corpo contra o concreto áspero e o ar faltar por um momento. Sem dizer nada, o policial começou a revistá-lo, jogando sua mochila no chão e derrubando os poucos pertences que ele tinha — chuteiras velhas, um par de meias e uma garrafa d'água. Tudo foi espalhado no chão sujo da viela.

— O que você tava fazendo aqui? — perguntou o policial, a voz baixa, mas ameaçadora.

— Eu... eu tava voltando do treino... da escolinha de futebol — respondeu Chris, a voz trêmula. Ele tentou soar calmo, mas o medo escorria de cada palavra.

— Treino? Aqui? — o policial zombou, enquanto apertava as mãos de Chris atrás das costas, o pressionando ainda mais contra a parede. — Um moleque como você não tava voltando de treino nenhum. De onde veio essa mochila? De quem você pegou isso?

Chris não conseguiu responder de imediato. Estava atordoado com a dor e a humilhação. Ele sabia que estava sendo punido por algo que não fez, e mais ainda, por algo que ele não era. Ser um jovem negro, vestindo roupas simples e carregando uma mochila velha, bastava para ser tratado como um criminoso.

Outro policial se aproximou e começou a revistar a mochila de Chris, jogando os itens no chão como se procurasse algo que justificasse a violência. Mas não havia nada. Apenas o que era dele. Apenas o que usava para correr atrás de seu sonho.

— Nada aqui, sargento — disse o segundo policial, com uma expressão de leve desapontamento, como se esperasse encontrar drogas ou armas.

Mesmo assim, o sargento não parou. Continuou empurrando Chris contra a parede, como se o simples fato de estar ali fosse um crime. O silêncio ao redor era ensurdecedor. As pessoas olhavam de longe, com medo de intervir, com medo de também serem arrastadas para aquela situação.

Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, o sargento o soltou com um empurrão.

— Some daqui — ele disse, sem sequer olhar para Chris, que caiu de joelhos no chão, tentando recuperar o fôlego.

Chris não disse nada. Apenas ficou ali, respirando pesadamente, enquanto via os policiais se afastarem. A mochila estava aberta no chão, com seus pertences espalhados. Ele os recolheu devagar, sentindo as mãos tremerem. O barulho dos helicópteros ainda zumbia ao longe, mas ele mal ouvia. Tudo o que sentia era a raiva crescendo dentro de si. Não uma raiva explosiva, mas algo mais profundo, mais silencioso. Uma raiva que vinha da humilhação, do medo constante de ser visto como um criminoso só por ser quem ele era.

A caminhada de volta para casa foi longa. Cada passo parecia mais pesado, como se a repressão policial tivesse deixado marcas invisíveis em seus ombros. Quando finalmente chegou ao pequeno barraco onde morava com Dona Teresa, ela o recebeu com um olhar preocupado. Ela conhecia bem os sinais, mesmo sem que Chris precisasse falar. Sabia que o filho estava marcado por algo.

— Tá tudo bem, filho? — ela perguntou, tentando esconder a preocupação na voz.

Chris olhou para ela, mas não conseguiu responder de imediato. Não estava tudo bem. Nunca estava. A violência, o preconceito, o racismo institucionalizado — tudo isso fazia parte de sua vida diária. Ele era julgado, não pelo que fazia, mas pelo que aparentava ser. E, mais uma vez, sentiu que estava sendo punido por algo que nunca cometeu.

Mas, apesar de tudo, havia algo dentro dele que não se quebrava. O sonho ainda estava ali, intacto, mesmo que manchado por experiências como aquela. Aquele desejo profundo de sair dali, de ser mais do que o mundo esperava dele, ainda ardia em seu peito. Ele sabia que o caminho seria difícil, talvez mais difícil do que imaginava, mas também sabia que, de alguma forma, ele precisava continuar.

— Eu tô bem, mãe — disse finalmente, tentando sorrir, mesmo que sua alma ainda doesse. — Eu vou ficar bem.

Naquela noite, enquanto deitava em seu colchão fino, olhando para o teto escuro do barraco, Chris pensou na injustiça do mundo ao seu redor. Ele queria fugir daquele destino, queria provar para si mesmo e para todos que ele não seria mais uma vítima. A repressão policial, o racismo, a pobreza — tudo isso só reforçava sua vontade de lutar por uma vida diferente, uma vida onde ele seria visto pelo que era, não pelo que representava aos olhos dos outros.

E com isso, ele adormeceu, o corpo cansado, mas a mente mais determinada do que nunca.