Capítulo 5 – Valeu!

 O último envelope chegou em uma manhã de céu limpo. Não havia mais cerimônia, nem hesitação. A mulher dos envelopes apenas entregou, sem dizer nada. Ela sabia que Heron já entendia tudo. Ele sorriu em gratidão, como quem recebe uma missão e não um mistério.

Na mesa da sala, os outros quatro envelopes estavam empilhados. Lidos, vividos. Cada um deixara uma marca que o tempo não apagaria. Heron sentou-se, respirou fundo e abriu o quinto.

Não havia saudade que doesse mais do que a certeza de que aquela era a última carta. Mas também não havia mais medo. Só presença.


“Heron,
Chegamos até aqui. Cinco meses. Cinco cartas. E eu espero, do fundo do coração, que elas tenham feito alguma diferença.

Agora é sua vez. Eu não vou mais aparecer nos seus domingos. Não vou mais te escrever. Você precisa andar com as próprias pernas, tomar decisões sem minha voz no fundo. Precisa viver os silêncios, as companhias, as saudades, as escolhas… por você.

Você me ouviu até aqui. E por isso, cara, eu te agradeço.

Não vou me estender. A vida é agora. E você sabe disso. Então levanta dessa cadeira, vai lá fora, olha pro céu. E, se sorrir, que seja de verdade.

Foi uma honra dividir a vida com você.

Valeu!

— Gabriel.”


Heron fechou os olhos e encostou a carta no peito. Pela primeira vez, não havia dor sufocando. Havia espaço. Um espaço novo, limpo, onde o luto e a vida podiam coexistir.

Com cuidado, guardou todas as cartas numa caixa de madeira que tinha separado só pra isso. Trancou, amarrou com um cordão de couro e colocou na estante, entre os livros mais importantes.

Mais tarde, pegou o carro e dirigiu até o cemitério. O caminho já não era estranho. Mas, dessa vez, não foi por obrigação. Foi por vontade. Levar um “até logo”. Levar uma parte de si que agora estava pronta para seguir.

Sentou-se na grama, diante da lápide simples que dizia “Gabriel Monteiro – Filho, Amigo, Gente Boa Demais”. Heron riu sozinho. Aquela frase era a cara dele.

— E aí, cara… — começou, olhando pro mármore como se o amigo estivesse ali, encostado na pedra, braços cruzados. — Eu tô bem. Quer dizer… quase. Mas acho que agora eu sei o que é ficar bem de verdade. Eu tenho me permitido mais. Tenho falado menos bobagem e escutado mais. E, olha só, tô rindo sem ser por cima. Sem ser pra esconder nada.

Fez uma pausa, mexeu na grama com os dedos.

— Você me deixou um baita vazio, sabia? Mas também me deixou cheio de coisa boa. Obrigado por isso. Por tudo.

O silêncio respondeu com um vento leve.

Heron fechou os olhos e deixou o tempo passar. Sem pressa. Sem máscaras.

— Agora é comigo, né? — sussurrou.

Foi quando ouviu passos se aproximando. Ao virar, viu Laura, com um ramalhete simples nas mãos. Ela havia passado por ali por acaso. Viu Heron, hesitou por um segundo, mas se aproximou com leveza.

— Tá tudo bem? — perguntou ela, suave.

Heron olhou de novo para o túmulo, depois para ela. E com um sorriso limpo, sem dor disfarçada, respondeu:

— Graças a esse cara aqui… vai ficar.

Laura se aproximou e sentou ao lado dele. Não disseram mais nada. Apenas ficaram ali. Presentes.

Na saída, Heron olhou para o céu. Um azul simples, sem nuvens. E, sem precisar falar em voz alta, pensou:

“Valeu, Gabriel.”