CAPÍTULO 5
O exílio durou mais de uma década. Uma vida inteira que se encaixou em malas e apartamentos alugados. A notícia da Lei da Anistia, em 1979, foi a primeira rachadura no muro de concreto que nos separava do Brasil, mas a cautela, adquirida a duras penas, nos manteve distantes. Afinal, a cicatriz dos Anos de Chumbo não se cura com um decreto. A sombra dos milicos ainda rondava o poder.
O retorno só se tornou uma possibilidade real com o alvorecer da Nova República, em meados dos anos 80, quando a redemocratização se consolidou. O fantasma que éramos começou a tomar corpo. Nossos passaportes, agora com nossos nomes verdadeiros (Mathias e Adauto), traziam o carimbo pesado do tempo perdido, daqueles anos em que o Brasil existia apenas na saudade.
Cheguei ao país, finalmente, com Adauto. Estava mais velho, mais calado, mas o fogo no olhar era o mesmo que o impeliu para a clandestinidade. O retorno não foi uma festa, um encontro com a família e a imprensa; foi um reencontro solene com a história. Era preciso pisar no chão pátrio para certificar-se de que o pesadelo havia findado.
Encontrei Adauto na Praça da Sé, o local de onde saíram muitas passeatas que tentaram desafiar o arbítrio. A praça estava diferente, a cidade estava irreconhecível em sua pressa e no seu barulho, mas éramos, inegavelmente, os mesmos homens que fugiram da lista de procurados.
— Mathias — ele me chamou, com um sorriso de cansaço, os olhos marejados de quem volta para casa depois de uma longa guerra. — Sobrevivemos para contar.
Respondi, apertando-lhe a mão, sentindo a rugosidade de quem envelheceu trabalhando longe do lar:
— E é o que faremos, meu velho. É o nosso dever. O tempo das fugas acabou; agora é o tempo do relato.
Hoje, concluo minha fala, não como um julgamento histórico, mas como um registro pessoal. A ditadura militar foi um período de terror onde a amizade e a convicção foram nossas únicas armas. Eu, Mathias, testemunha e sobrevivente, garanto que o silêncio é a primeira derrota de qualquer povo. E a nossa história, esta saga de dois estudantes contra o Leviatã, está contada. Está registrada para que a rapaziada de hoje saiba o preço que se pagou pelo direito fundamental de discordar e de sonhar com um país mais justo. Que jamais se esqueça.
