Capítulo 6: Dificuldades na Escola

 As manhãs de Chris começavam cedo, mas, desde que se lembrava, o cansaço o acompanhava como uma sombra. Acordava antes do sol para ajudar Dona Teresa com o pouco que podiam fazer em casa: carregar água, organizar as coisas e às vezes, quando o dinheiro permitia, ajudar a preparar uma refeição rápida para que ela pudesse sair para mais um dia de trabalho como empregada doméstica. Depois, seguia para a escola pública, onde o cenário era tão precário quanto o da sua própria casa.

A escola ficava a algumas quadras da favela, e Chris caminhava até lá todos os dias, tentando espantar o peso das responsabilidades que pareciam aumentar a cada dia. A realidade dentro das salas de aula era dura. As carteiras quebradas, os livros velhos, a pintura descascada das paredes… tudo ali gritava abandono. A falta de professores era frequente; muitas vezes, passavam semanas sem aula de algumas materiais, enquanto outras eram improvisadas pelos poucos docentes que ainda tentavam fazer a diferença.

Mas naquele dia, a sala estava particularmente cheia. Havia uma nova professora de português, que tentava se familiarizar com os alunos. Os olhares cansados e indiferentes de muitos estudantes a desafiavam, mas ela insistia. Chris, sentado no fundo da sala, tentava se concentrar no que a professora falava sobre literatura brasileira, mas sua mente vagava. Era difícil prestar atenção quando tantas outras preocupações disputavam espaço na sua cabeça.

O futebol. Os treinos. A pressão de sua mãe para que ele não abandonasse os estudos. O dinheiro que faltava em casa. Tudo parecia desmoronar ao seu redor.

— Chris! — a voz da professora o tirou do devaneio.

Ele olhou para frente, surpreso.

— Qual foi a última frase que eu li? — perguntou ela, os olhos fixos nele.

Chris olhou para o livro aberto na sua frente, mas as palavras se embaralhavam. Ele não fazia ideia. A sala inteira estava em silêncio, esperando sua resposta. Sentiu o rosto esquentar de vergonha e abaixou a cabeça.

— Eu... eu não sei, professora — respondeu, com a voz quase inaudível.

Ela o observou por um momento, e ao invés de repreendê-lo, suspirou.

— Tudo bem, Chris. Eu sei que não é fácil, mas tenta se concentrar, tá? Você tem potencial — disse ela, com uma gentileza que surpreendeu Chris.

Mas ele não respondeu. Sentia-se como se estivesse falhando, não só consigo mesmo, mas também com sua mãe. Dona Teresa sempre dizia que o estudo era a única saída segura da pobreza. “O futebol pode ser um sonho, mas o estudo é uma certeza”, ela repetia, e essas palavras pesavam em seus ombros como pedras.

O dia passou arrastado. As aulas seguiam, mas a precariedade da escola tornava tudo mais difícil. Os professores faltavam com frequência, e os que apareciam, muitas vezes, não tinham recursos suficientes para fazer um bom trabalho. A sala de informática tinha computadores quebrados, e as aulas de ciências eram dadas sem qualquer equipamento de laboratório. No intervalo, as conversas entre os alunos não eram sobre o que estavam aprendendo, mas sobre as dificuldades que enfrentavam em casa.

Chris se sentia perdido entre dois mundos. De um lado, havia o futebol, onde ele podia esquecer, ainda que por pouco tempo, a realidade em que vivia. Os treinos na escolinha eram a sua fuga, o momento em que ele se permitia sonhar. Do outro lado, havia a escola, que representava a esperança de sua mãe, mas que cada vez mais se mostrava um desafio difícil de vencer.

Naquele dia, ao final das aulas, ele encontrou João sentado no muro em frente à escola. Seu antigo amigo estava diferente, mais distante e envolvido com as escolhas erradas. João acenou para ele, mas Chris ignorou. Já havia decidido que não se envolveria com o tráfico, por mais tentador que fosse o dinheiro rápido.

No caminho para casa, seus pensamentos se misturavam. Ele pensava na escolinha, nos treinos, mas também no que sua mãe esperava dele. Ela queria vê-lo formado, com um diploma que abrisse portas. Mas como ele conseguiria equilibrar isso com a realidade de sua vida? O tempo era curto, e ele precisava treinar cada vez mais se quisesse ter alguma chance no futebol. Ao mesmo tempo, sabia que não podia abandonar a escola, não podia decepcionar Dona Teresa.

Ao chegar em casa, encontrou sua mãe sentada à mesa da cozinha, contando as moedas que tinha para o mês. Ela olhou para ele com um sorriso cansado.

— Como foi na escola hoje, filho? — perguntou, enquanto guardava o pouco dinheiro que tinha.

Chris hesitou. Queria dizer que tudo estava bem, que ele estava focado e que os estudos estavam progredindo. Mas seria uma mentira.

— Tá difícil, mãe — ele finalmente admitiu. — A escola... não tem professor de matemática há semanas. E os materiais... é complicado.

Ela suspirou e se aproximou dele, colocando uma mão gentil em seu ombro.

— Eu sei que é difícil, filho. Mas você precisa continuar. Eu quero te ver formado, entende? Isso vai te abrir portas, vai te dar opções. O futebol é lindo, eu sei que você tem talento, mas... o estudo é sua segurança.

As palavras de Dona Teresa, embora ditas com amor, só aumentaram o peso que Chris carregava. Ele sabia que sua mãe tinha razão, mas, ao mesmo tempo, sentia que o futebol era sua verdadeira saída. A escolinha de futebol era o único lugar onde ele se sentia livre, onde ele podia ser ele mesmo e deixar para trás o caos da vida na favela.

Nos dias que se seguiram, a luta interna de Chris só piorou. Ele se esforçava para se concentrar nas aulas, mas a precariedade da escola pública e as distrações constantes o afastavam do aprendizado. Ao mesmo tempo, os treinos na escolinha ficavam mais intensos, e ele sentia que, a cada dia, estava mais perto de uma oportunidade real. Mas essa oportunidade parecia sempre esbarrar na dura realidade de sua vida diária.

Uma tarde, depois de um treino particularmente cansativo, Chris parou no caminho para casa e olhou para o campo de terra batida onde tudo começou. Era ali que ele descobriu seu amor pelo futebol, mas agora ele se sentia preso entre o sonho de ser um grande jogador e a pressão para seguir um caminho seguro com os estudos. Como ele poderia se dedicar ao futebol, quando sua mãe precisava de ajuda em casa e ele mal conseguia acompanhar as aulas na escola?

A noite caiu, e ele chegou em casa exausto, tanto fisicamente quanto mentalmente. Deitou-se em sua cama improvisada e olhou para o teto, pensando no futuro. Sentia-se dividido, sem saber qual caminho seguir. A realidade da escola precária, a falta de professores, o estresse de ajudar sua mãe — tudo isso parecia empurrá-lo para longe do sonho. Mas, ao mesmo tempo, o futebol era a única coisa que o mantinha de pé.

E naquela noite, enquanto o silêncio da favela era cortado apenas pelo som distante de música e conversas, Chris decidiu que, de alguma forma, precisaria encontrar um equilíbrio. Não sabia como, nem quando, mas sabia que desistir não era uma opção. Ele precisava continuar, tanto no campo quanto na sala de aula.