Maria Joana desceu o último degrau, seus sapatos tocando o chão frio e lamacento do porão. O ar era tão gelado que parecia queimar seus pulmões, e o cheiro de terra, mofo e solidão era sufocante. Ela estava a poucos metros da forma espectral de Elisa, que tremia, não de frio, mas de uma dor antiga e profunda.
Com o avanço de Maria Joana, a atmosfera do porão se tornou febril. Um ruído metálico, frio e lento, começou a emanar das paredes: o som das correntes invisíveis que prendiam Elisa, rangendo e estalando como se estivessem prestes a se romper.
Movida por uma urgência que não era sua, Maria Joana parou na frente do espírito. Ela podia sentir a dor de Elisa, o desespero do confinamento. Lentamente, ela estendeu a mão na direção da figura translúcida, um gesto de promessa e redenção.
— O tempo do seu sofrimento acabou, Elisa. Não precisa mais ficar aqui — disse Maria Joana, a voz baixa, mas firme. — Eu ouvi você. Eu liberto você. Eu vim te ajudar!
No exato instante em que as palavras foram ditas, uma violenta explosão de energia irrompeu. Não houve luz, mas a força foi como um vendaval gelado. As correntes espectrais se estilhaçaram com um barulho seco e estrondoso, liberando o espírito. Elisa se endireitou, e toda a sua figura brilhou com um brilho pálido e frio. O olhar de desespero em seus olhos se transformou em uma satisfação sombria.
A figura de Elisa flutuou para perto de Maria Joana, pairando sobre ela. Sua voz, antes fraca, agora era clara e cheia de uma alegria fria, um sussurro venenoso no ouvido de Maria Joana:
— Obrigada pela ajuda... Você trouxe a chave... Agora descanse... no meu lugar!
Maria Joana mal teve tempo de processar o terror da traição. Uma força poderosa e invisível a agarrou, atirando-a contra a parede de pedra úmida onde Elisa estava presa.
No alto da escada, a porta do alçapão se fechou com um estrondo ensurdecedor, um som de madeira e metal se chocando que fez a casa inteira vibrar.
— Maria Joana! Abre! Pelo amor de Deus, ABRE! — O grito agoniado de Miguel veio do andar de cima, abafado, seguido por batidas e pancadas desesperadas no alçapão. Estava trancado, selado por uma força sobrenatural que não cederia.
Maria Joana tentou gritar o nome dele, mas o ar falhou em seus pulmões. Ela sentiu um frio paralisante se concentrar em seus pulsos e tornozelos. Olhando para as suas extremidades, ela viu com pavor que as mesmas correntes escuras e espectrais que prendiam Elisa estavam se materializando ao seu redor, apertando-se em sua carne, acorrentando-a à parede. Ela estava presa, exatamente onde a sombra de Elisa havia lutado por anos.
O espírito de Elisa pairou uma última vez sobre ela, observando seu novo cativeiro com um sorriso de triunfo. Finalmente livre, a antiga moradora começou a subir a escada, passando pelo portal de libertação.
A luz da lanterna de Maria Joana deu um último guincho elétrico e falhou, mergulhando o porão em uma escuridão total e sufocante. Maria Joana estava presa na escuridão, condenada a ser a nova voz atormentada que, um dia, ecoaria em mensagens desesperadas, esperando por um libertador que não viria. O ciclo do terror estava completo, e ela era a nova vítima do porão.
