Os dias que seguiram à conversa com Sérgio foram um turbilhão de emoções para Gustavo. Ele havia esperado tanto tempo por respostas, e agora que as tinha, sentia-se ainda mais confuso. Não havia a explosão de alívio que ele imaginava, nem uma reconciliação mágica. Ao invés disso, havia apenas uma sensação de vazio, de algo que foi finalmente revelado, mas que não podia ser consertado de imediato.
Sentado na mesa da cozinha, Gustavo olhava pela janela, perdido em pensamentos. O silêncio entre ele e Adriana, que antes era carregado de tensão, agora era mais tranquilo. Ele sabia que havia ferido sua mãe com as palavras ditas na briga, e, embora ainda estivesse lidando com suas próprias feridas, uma parte de Gustavo sentia que precisava tentar se reconectar com ela.
Adriana, como sempre, estava ocupada preparando o jantar, mas ele percebeu que ela olhava para ele de vez em quando, como se estivesse esperando por algo. Gustavo sabia que devia um pedido de desculpas, mas as palavras pareciam difíceis de sair.
— Mãe… — ele finalmente disse, sua voz quebrando o silêncio. Adriana se virou imediatamente, parando o que estava fazendo. — Sobre o que eu disse antes… — ele hesitou, procurando as palavras certas. — Eu sinto muito.
Adriana o encarou por um momento, surpresa. Não era comum Gustavo se abrir assim. Ela largou a colher que segurava e caminhou até a mesa, sentando-se à sua frente.
— Gustavo… — ela começou suavemente. — Eu sei que você estava magoado. Eu entendo por que disse o que disse. Mas estou feliz que estamos conseguindo falar sobre isso agora.
Gustavo balançou a cabeça, olhando para as mãos.
— Eu só… eu estive tão confuso, com tanta raiva. Achei que culpá-lo fosse me fazer sentir melhor, mas só me deixou pior.
Adriana estendeu a mão, pousando-a sobre a dele. Era um gesto simples, mas carregado de significado.
— Eu também me senti assim muitas vezes — ela disse. — Não é fácil para nenhum de nós.
Houve um momento de compreensão mútua entre eles. Gustavo sabia que o caminho para se reconciliar com sua mãe não seria imediato, mas ali, naquele instante, ele percebeu que eles não estavam sozinhos em sua dor.
A decisão de buscar ajuda não veio de imediato. Foi algo que se formou aos poucos, como uma ideia que Gustavo resistia, mas que não conseguia afastar completamente. Após a conversa com seu pai, ele começou a perceber que não podia continuar a viver com tanta raiva acumulada. Ele precisava de um caminho para lidar com tudo isso.
Foi Adriana quem sugeriu a terapia pela primeira vez. Ela havia mencionado de forma cuidadosa, sabendo que Gustavo poderia reagir com resistência. Mas, para sua surpresa, ele não recusou de imediato. Talvez porque, no fundo, soubesse que precisava de algo, de alguém que o ajudasse a organizar seus pensamentos.
Na primeira sessão, Gustavo mal falou. Sentia-se desconfortável, exposto. O terapeuta, um homem de meia-idade com uma expressão gentil, não pressionou. Ele apenas fez algumas perguntas simples, tentando entender o que o trouxera ali. Gustavo se limitou a respostas curtas, mas ao longo das sessões, algo dentro dele começou a se abrir. Ele falava sobre seu pai, sua mãe, a escola, e pouco a pouco, começou a entender a complexidade de seus sentimentos.
Na escola, as coisas também começaram a mudar, embora devagar. Gustavo percebeu que estava indo por um caminho autodestrutivo, e que se quisesse mudar sua vida, teria que começar ali. Ele ainda tinha dificuldades, ainda se sentia perdido em alguns dias, mas agora havia um esforço consciente para melhorar.
Um dia, ele procurou a professora de história, com quem havia tido um conflito algumas semanas antes. A professora, embora surpresa, o recebeu com paciência.
— Eu queria… me desculpar pelo que aconteceu — disse Gustavo, olhando para o chão enquanto falava. — Sei que tenho sido difícil ultimamente.
A professora sorriu suavemente, como se entendesse mais do que ele podia imaginar.
— Eu fico feliz que tenha vindo falar comigo, Gustavo. Todos nós passamos por momentos difíceis. O importante é que você está tentando mudar.
Aquilo foi um pequeno passo, mas para Gustavo, foi enorme. Pela primeira vez em meses, ele sentiu que estava no controle de suas próprias escolhas.
A ausência de Sérgio ainda o acompanhava, como uma sombra que às vezes se tornava mais pesada, especialmente em momentos de fraqueza. Mas a diferença agora era que Gustavo começava a entender que essa ausência não precisava defini-lo. Ele não era apenas o garoto que havia sido deixado para trás. Era mais do que isso.
Sentado em seu quarto, uma noite, ele olhou para o espelho e viu alguém diferente do garoto que costumava ver. Ainda havia inseguranças, ainda havia dias difíceis, mas agora, havia também a consciência de que ele podia construir sua própria identidade, sem depender da figura de um pai que escolheu ir embora.
Ele ainda não havia perdoado Sérgio completamente, e talvez isso levasse muito tempo — talvez nunca acontecesse. Mas agora, ao invés de se prender ao passado, Gustavo estava começando a se concentrar no futuro. Em como ele queria viver, em quem ele queria se tornar.
O processo de reconstrução de sua vida não seria fácil, e ele sabia disso. Mas Gustavo estava disposto a tentar. E isso, por si só, já era um grande passo.
Enquanto a noite caía e o silêncio envolvia a casa, ele sentiu, pela primeira vez em muito tempo, uma leve sensação de paz.
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