A noite chegava densa sobre os escombros da velha cidade. A represa de Santo Arco, no interior mineiro, outrora símbolo de progresso e abastecimento, agora era um posto avançado dos Alpha-Draconianos. A instalação metálica erguida sobre o reservatório pulsava em luz azulada. Dali partiam sinais que reforçavam o controle mental dos chips espalhados por toda a região centro-sul.
— O plano é simples. Entramos pela comporta leste, colocamos os explosivos no console de transmissão e saímos antes que percebam — explicou JP, com um holograma improvisado projetado no chão.
— Simples, ele disse — resmungou Milena, apertando as ataduras ao redor da cintura de Rafael. — Já ouvi essa antes.
Antônio observava em silêncio. Seus olhos estavam fixos no horizonte, mas sua mente estava em outro lugar. Pensava em Augusto. Pensava no chip. Pensava no tempo que restava antes que o filho se tornasse um completo fantoche dos invasores.
— Se destruirmos esse transmissor — disse ele, com a voz firme — enfraquecemos a influência em centenas de chips. É nossa chance de testar a teoria do JP.
— E se for armadilha? — perguntou Natália, abraçando o rifle contra o peito. — Eles podem estar esperando por isso.
— Então não podemos hesitar. Porque hesitar... — Antônio encarou cada um ali. — É deixar o mundo morrer de vez.
O grupo se dividiu em três partes. JP e Milena cuidariam dos explosivos. Rafael e Natália fariam a contenção externa. Antônio, David e um jovem novo no grupo, Tomás, iriam direto à torre de transmissão, eliminar os guardas e garantir acesso ao núcleo.
O silêncio da noite foi rompido pelo som abafado de água batendo na barragem. O grupo caminhava pela margem do rio, esgueirando-se entre pedras e vegetação rasteira. Dehr, o alienígena aliado, havia sido contra a missão.
— Há muito movimento na base. Algo mudou. Eles estão reforçando segurança — avisara.
Mas Antônio insistira.
— Cada dia que esperamos, eles ganham.
Dentro da estrutura, os corredores eram de metal negro, com símbolos estranhos gravados nas paredes. As luzes tremeluziam, como se o próprio lugar estivesse vivo. As sombras dançavam.
— Movimento à frente — cochichou Natália, espiando por trás de uma caixa. — Dois... não, três humanos. Estão com aquele olhar vazio. São civis.
— Estão armados? — perguntou Rafael.
— Não. Mas têm o chip. Estão sob controle.
David engoliu seco.
— Merda... eles eram nossos.
— Segue o plano — disse Antônio. — Não atirem, a não ser que precisem.
Segundos depois, tudo deu errado.
Um dos sensores foi acionado. Uma sirene cortou o silêncio como um trovão. A estrutura brilhou em vermelho. Portas metálicas começaram a se fechar. E então, o caos.
— Fomos detectados! — gritou JP pelo comunicador.
— Alguém sabotou o acesso externo! Eles sabiam! — respondeu Milena, enquanto corria.
Os civis controlados vieram primeiro. Olhos sem alma. Passos mecânicos. Um deles correu direto em direção a David com uma faca improvisada. Rafael tentou impedir, mas foi atingido nas costelas por outro civil. Caiu com um grito abafado.
— RAFA! — berrou Milena, ajoelhando-se sobre ele.
David reagiu no instinto. Apontou a arma e atirou. Um, dois, três tiros. O corpo do agressor caiu no chão. Era um homem de meia idade, com marcas de queimadura no pescoço — e o chip brilhando ainda em sua nuca.
Silêncio.
David ficou ali, tremendo. Os olhos fixos no rosto do homem morto. A ficha demorou a cair.
— Ele... era só um civil.
— Foi ele ou a gente, David — disse Antônio, puxando-o pelo ombro. — Anda. Ainda não acabou.
Mas David não se moveu. As mãos tremiam. O sangue respingado no rosto parecia queimar.
— Eu matei um inocente...
— Ele não era mais ele — murmurou Natália, com a voz embargada.
No centro da instalação, JP finalmente conseguiu acessar o console. Instalou os explosivos, mas o tempo estava curto.
— Trinta segundos para detonação. Corram!
— Pegue Rafael! — gritou Milena, tentando estabilizá-lo.
— Eu não vou conseguir! — respondeu Natália, segurando o peso dele nos ombros.
O grupo correu pelos corredores. A água da represa começava a jorrar pelas rachaduras criadas nos canos. Tudo tremia.
Ao sair pela comporta lateral, uma explosão surda fez o chão sacudir. Uma coluna de fumaça subiu da torre. O transmissor estava destruído.
Mas o preço foi alto.
Rafael sangrava demais. David estava quebrado por dentro. E o grupo havia sido exposto.
No topo da colina, escondido em uma rocha, Dehr assistia à cena. Seus olhos opacos brilharam por um instante.
— Eles estão se aproximando da verdade... Mas ainda é cedo demais.
Horas depois, enquanto tentavam improvisar um acampamento de emergência, Antônio olhava para a água escura da represa, agora misturada com fuligem e óleo.
— Sangue na água... — murmurou. — É isso que restou do mundo.
Milena se aproximou, o olhar cansado.
— Pelo menos sabemos que os chips podem ser afetados. Isso é alguma coisa.
Antônio assentiu. Mas seu olhar dizia outra coisa.
Sabia que os Alpha-Draconianos estavam mais atentos agora.
E que o caminho até Augusto acabara de ficar muito mais perigoso.
