O motor da Salva ronronava suave enquanto eu colocava as mãos firmes no volante. O sol estava começando a se pôr no horizonte, tingindo o céu de laranja e roxo, como se o próprio universo estivesse se despedindo de um dia cheio de promessas. Eu não sabia exatamente para onde estava indo, e pela primeira vez na vida, isso não me incomodava. A estrada à minha frente parecia infinita, cheia de curvas desconhecidas e destinos que eu ainda não tinha imaginado.
A ideia de pegar a estrada começou como uma brincadeira entre os caras da oficina. Gabriel comentou que eu precisava de uma mudança de ares, e Brendon sugeriu que nada melhor do que um bom "rolê" para testar a Salva na prática. Henrique, claro, começou a listar todos os detalhes técnicos que eu precisava verificar antes de encarar uma viagem, e Ney, bem, Ney só disse que eu devia ir e não pensar demais.
E foi isso que eu fiz.
Acelerei a Salva pela rodovia, sentindo o vento bater no rosto, a música alta no som, e a sensação de liberdade tomando conta de mim. Ali, naquele momento, eu percebi o que a estrada realmente significava. Não era só um caminho físico, mas uma metáfora para tudo o que estava por vir. Era o desconhecido, o imprevisível. E pela primeira vez em muito tempo, eu estava pronto para encarar tudo isso de frente.
Os quilômetros passavam e, com eles, meus pensamentos também corriam. Fui refletindo sobre tudo que tinha acontecido nos últimos meses. O fim com Antonela, o tempo que passei me afundando na oficina, os momentos de dúvida, de reconstrução, e como, peça por peça, fui me ajustando, assim como ajustei cada parte da Salva. Não era uma jornada fácil, mas eu estava saindo dela mais forte, mais consciente de quem eu era e do que realmente importava.
Enquanto dirigia, me peguei pensando em como os carros sempre foram mais do que uma simples paixão para mim. Desde moleque, eu sabia que tinha algo especial ali. A forma como um motor trabalhava, como o design de um carro podia refletir personalidade, estilo. Mas agora, isso tudo tinha ganhado um novo significado. A Salva era a prova de que, assim como um carro, a vida também exige manutenção constante. Às vezes, é preciso ajustar uma peça, consertar um detalhe, trocar o que não funciona mais. Outras vezes, é preciso aceitar que o carro — ou a vida — vai dar umas batidas pelo caminho, mas o importante é continuar.
O fim com Antonela? Fazia parte do caminho. Talvez, na época, eu não soubesse, mas hoje estava claro que eu precisava daquela experiência para me encontrar. Não era sobre o que perdi, mas sobre o que ganhei com isso. Aprendi a valorizar mais a mim mesmo, aprendi que nem tudo pode ser consertado, e que está tudo bem em seguir em frente, mesmo com algumas marcas do passado.
Com o tempo, o céu escureceu, e as estrelas começaram a aparecer, uma a uma. Eu não tinha destino fixo. Podia ir para onde quisesse, sem pressa, sem planos. Era essa a beleza da estrada: as possibilidades eram infinitas. E assim como os ajustes na Salva, a vida também está sempre mudando. Nada é permanente. Cada curva que eu fazia na rodovia me lembrava que o futuro é algo que construímos a cada passo, ou, no meu caso, a cada quilômetro.
Parei em uma pequena cidade no meio do caminho para abastecer. Enquanto enchia o tanque da Salva, olhei ao redor e vi pessoas diferentes, rostos desconhecidos, e pensei em quantas histórias poderiam existir por ali. Quantas vidas estavam sendo vividas, quantos destinos cruzando aquela estrada. E ali, naquele posto simples, percebi que não precisava ter todas as respostas agora. A estrada me ensinou isso. Ela estava ali para ser explorada, sem pressa, sem exigências.
Quando voltei para o carro, sentei no banco e liguei o motor, senti uma onda de gratidão. Gratidão pela Salva, por ela ter sido meu companheiro silencioso durante todo esse processo. Gratidão pelos meus amigos, que me apoiaram quando eu estava no fundo do poço. E, estranhamente, gratidão até por Antonela. Ela foi parte da minha história, e sem aquele fim, eu talvez nunca tivesse descoberto essa nova versão de mim.
Acelerei novamente, deixando o posto para trás. A estrada era longa, mas agora eu a via de um jeito diferente. Não era um caminho para escapar de algo, mas um lugar para encontrar novas partes de mim. A cada quilômetro, sentia o peso do passado ficando para trás e uma leveza tomando conta do presente.
A Salva estava completa, e eu também. A vida, assim como ela, sempre estará em constante ajuste. Sempre haverá algo para melhorar, algo para consertar. Mas agora eu sabia que estava pronto para qualquer curva que viesse. A estrada era minha, e o futuro, como as estrelas no céu, estava cheio de possibilidades esperando para serem descobertas.
Sorri para mim mesmo e, com o motor roncando de leve, segui em frente, com a certeza de que, seja qual fosse o destino, eu estava pronto para o que viesse.
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