Capítulo 7: A Gamer de Telêmaco Borba

 Sofia nunca foi de ficar quieta. Aos 17 anos, ela carregava uma energia inquieta que parecia não caber nas ruas estreitas de Telêmaco Borba, uma cidadezinha industrial cercada por pinheiros e fumaça de fábrica. O cabelo castanho, sempre preso num rabo de cavalo desleixado, balançava enquanto ela digitava furiosamente no teclado do pc no quarto, o único lugar onde a internet era decente o bastante para seus jogos.


Não era só um passatempo — Sofia era uma jogadora de e-sports, uma das melhores de sua região em jogos de tiro como Valorant, e sonhava em competir de verdade, com um time, um uniforme e um troféu nas mãos. Mas o caminho até lá era cheio de espinhos, e não eram só os "noobs" dos servidores que a irritavam.

Online, o preconceito era uma constante. Nos chats de voz, entre granadas virtuais e estratégias gritadas, vinham os insultos: "Vai lavar louça", "Menina não joga isso", "Deixa pros homens". Sofia mordia o lábio, mutava o microfone e respondia com headshots perfeitos, mas o peso das palavras ficava. Fora do jogo, na escola, lotada de garotos barulhentos, ela sentia os olhares tortos e os cochichos. "Ela é boa, mas é mulher, né? Deve ser sorte", ouviu uma vez de um colega. Aquilo queimava por dentro, mas também acendia algo: uma vontade de provar que habilidade não tinha gênero.

Tudo mudou numa tarde abafada de sábado. Sofia estava no meio de uma partida ranqueada quando um adversário, após levar uma surra dela, digitou no chat: "Duvido que você ganha de mim num torneio de verdade, princesinha". O sangue subiu à cabeça. Ela abriu o Discord, chamou os poucos amigos que jogavam com ela e lançou a ideia.

— Tô cansada desses caras. Vamos montar um time, mas só de meninas. A gente vai pro estadual e cala a boca deles — disse, o tom firme, quase um desafio.

— Está louca, Sofia? Onde a gente acha meninas que jogam aqui? — respondeu Lucas, o único que a levava a sério, enquanto coçava a nuca.

— Eu encontro. Só me ajuda a espalhar a notícia — retrucou ela, já digitando um anúncio nos grupos locais.

Na semana seguinte, Sofia transformou sua casa num campo de recrutamento. Colou cartazes nas paredes de azulejo descascado, com letras garrafais: "Time feminino de e-sports! Testes sábado, 14h". 

Aos poucos, elas apareceram. Teve a Ana, 16 anos, tímida mas com um reflexo absurdo nos controles; a Jéssica, 19, que jogava escondido do pai; e a pequena Lívia, 14, que chegou com um notebook velho mas uma mira que impressionou todo mundo. Eram cinco no total, contando com Sofia, que assumiu o papel de capitã sem hesitar.

Os treinos começaram caóticos. Sua casa virava um misto de gritos, risadas e xingamentos — metade contra os adversários online, metade entre elas mesmas. Sofia passava horas ajustando estratégias, ensinando posicionamentos e, principalmente, mantendo o time unido. Quando o dia do torneio estadual chegou, em Curitiba, elas viajaram apertadas num ônibus caindo aos pedaços, carregando mochilas cheias de cabos, teclados e nervosismo.

O evento era num ginásio lotado, com luzes piscando e o som ensurdecedor de teclas e torcidas. O time de Sofia, batizado de "Fúria de Telêmaco", entrou de cabeça erguida, vestindo camisetas pretas improvisadas com o nome escrito em caneta permanente. Na primeira rodada, enfrentaram um time de garotos que riram ao vê-las. "Boa sorte, meninas", disse o capitão adversário, com um sorrisinho sarcástico. Sofia apenas ajustou o headset e respondeu:

— A gente não precisa de sorte. Só de mira.

A partida foi uma aula. Sofia liderava com precisão cirúrgica, chamando jogadas enquanto Ana e Jéssica flanqueavam os inimigos. Lívia, a caçula, surpreendeu com eliminações impossíveis, e a quinta integrante, Mariana, segurava a defesa como uma muralha. O placar final foi uma goleada, e o time adversário saiu de cabeça baixa, sem mais piadinhas. Rodada após rodada, as meninas avançaram, até chegarem à final contra um time favorito, cheio de patrocínios e equipamentos caros.

O último jogo foi tenso. O ginásio vibrava, e as mãos de Sofia suavam no mouse. O placar estava empatado, e o tempo corria. Num momento decisivo, ela arriscou uma jogada agressiva, pedindo cobertura total do time.

— Confiem em mim, agora é tudo ou nada! — gritou no microfone.

Funcionou. Com uma combinação perfeita de granadas e disparos, elas viraram o jogo nos segundos finais. O grito de vitória ecoou entre elas, e o público aplaudiu de pé. No pódio, segurando o troféu, Sofia olhou para as meninas do time, os olhos marejados mas o sorriso firme.

— Isso é pra quem duvidou da gente — disse, levantando o prêmio.

De volta a Telêmaco Borba, sua casa virou ponto de peregrinação. Meninas da cidade começaram a aparecer, pedindo dicas, querendo jogar. Sofia sabia que o troféu era só o começo — ela tinha mostrado que o talento não tinha regras, e agora ia construir algo maior, um legado para as gamers que viriam depois.