O sol da manhã iluminava suavemente o quarto de Gustavo enquanto ele se espreguiçava na cama, sentindo-se mais leve do que em muitos meses. O último ano havia sido uma tempestade emocional, mas, de alguma forma, ele agora se sentia mais capaz de enfrentar o que viesse pela frente. Ainda havia sombras, especialmente quando pensava em Sérgio, mas essas sombras já não dominavam sua vida.
No colégio, ele começou a explorar novos caminhos. Incentivado por um professor que havia notado seu progresso, Gustavo se inscreveu no clube de escrita criativa. De início, foi mais por curiosidade do que por um desejo genuíno de escrever. Mas, ao sentar-se com o grupo pela primeira vez e ouvir os colegas compartilhando suas histórias, ele percebeu algo que nunca havia considerado: ele tinha muito a dizer.
— Você escreve, Gustavo? — perguntou Letícia, uma das organizadoras do grupo, enquanto revisava alguns textos. Ela tinha um sorriso acolhedor, o tipo de pessoa que fazia os outros se sentirem à vontade.
— Não muito… — Gustavo respondeu, hesitante. — Quer dizer, escrevo umas coisas às vezes, mas nada sério.
— Todo mundo começa assim — ela disse, animada. — Você devia tentar escrever sobre algo que seja importante pra você. As palavras têm uma forma de ajudar a gente a entender o que está dentro.
Gustavo ficou pensativo com aquelas palavras. Escrever sobre o que importava para ele? O que ele importava era um emaranhado de sentimentos, mágoas e memórias. Mas talvez, ao colocar isso no papel, ele pudesse enxergar mais claramente o que ainda estava confuso em sua mente.
Enquanto a relação com Adriana continuava a melhorar, Gustavo se surpreendia com o quanto estava disposto a compartilhar com ela. Ele havia passado tanto tempo afastado emocionalmente, guardando tudo para si, que agora sentia como se estivesse redescobrindo a mãe.
Uma noite, durante o jantar, Adriana o observava com um sorriso suave. Gustavo notou e levantou os olhos, curioso.
— O que foi? — ele perguntou, um sorriso leve surgindo nos lábios.
— Nada — Adriana respondeu, balançando a cabeça. — Só estou orgulhosa de você. Sei que não tem sido fácil, mas você está mudando. Está mais forte.
Gustavo sorriu de volta, e dessa vez o peso que costumava sentir quando ela o elogiava não estava lá. Ele sabia que ela estava certa. Ainda não era perfeito, mas ele estava mudando, e isso era um reflexo das escolhas que vinha fazendo.
— Obrigado, mãe — ele disse, de coração. Era uma palavra simples, mas carregada de significados que ambos compreendiam.
Na escola, Gustavo também começou a se reconectar com velhos amigos e a fazer novas amizades. Participar do clube de escrita foi uma surpresa para todos, especialmente para seus colegas que haviam se acostumado a vê-lo mais distante. Um dos garotos que ele costumava evitar, Marcos, o cumprimentou um dia no corredor.
— Ouvi dizer que você está no clube de escrita. Quem diria, hein? — brincou Marcos, com um sorriso no rosto.
Gustavo riu, sentindo-se à vontade para interagir de novo.
— Pois é… achei que era hora de tentar algo novo — respondeu ele.
O que começou como um pequeno passo logo se transformou em algo maior. Gustavo se viu cada vez mais envolvido, não apenas com a escrita, mas também com outras atividades na escola. Ele participou de um projeto de teatro escolar, ajudou a organizar eventos e até se aproximou de professores que antes pareciam figuras distantes. Aos poucos, ele percebeu que havia um espaço para ele ali, entre as pessoas que o cercavam. E mais importante, ele estava pronto para fazer parte disso.
Mas ainda havia a questão de Sérgio. Gustavo não tinha falado com o pai desde a última conversa, e embora o relacionamento entre eles estivesse longe de ser resolvido, ele sabia que não era mais o mesmo adolescente consumido pela raiva. Havia mágoa, claro, mas também havia aceitação. Sérgio era imperfeito, assim como todos. E Gustavo sabia que, com o tempo, talvez houvesse espaço para uma reconciliação — mas ele não precisava apressar isso.
Na terapia, Gustavo começou a compreender que a dor da ausência de Sérgio sempre estaria presente de alguma forma, mas que isso não precisava definir quem ele era. Ele tinha escolhas a fazer, caminhos a seguir. O importante era que ele agora possuía ferramentas para lidar com os momentos difíceis.
Foi durante uma das sessões de escrita que a ideia de escrever um livro começou a tomar forma. Letícia havia sugerido que todos escrevessem sobre algo que os tocava profundamente, e Gustavo não conseguiu parar de pensar naquilo. Quando voltou para casa, ele sentou-se diante de um caderno em branco e, pela primeira vez, começou a rascunhar suas memórias, suas dores e suas descobertas. Escrever sobre tudo o que havia passado não era fácil, mas também não era tão doloroso quanto ele imaginava.
As palavras fluíam, e aos poucos, Gustavo percebeu que estava construindo algo importante. A cada página, ele sentia como se estivesse colocando os pedaços quebrados de sua vida em ordem, transformando o caos em algo compreensível, algo que ele podia controlar.
Ele decidiu que aquele livro não seria apenas para ele. Seria para outros adolescentes que, como ele, se sentiram perdidos, sem saber como lidar com a ausência de um pai, com a confusão e a raiva que isso trazia. Se sua história pudesse ajudar alguém, ele sabia que todo o processo valeria a pena.
Meses se passaram, e Gustavo já tinha uma boa parte de seu livro escrita. Sentado em frente ao computador, ele revisava os capítulos com um olhar crítico, mas também com orgulho. O garoto que começou aquele projeto não era mais o mesmo que agora o finalizava.
Certa manhã, Gustavo olhou para o céu azul pela janela de seu quarto e respirou fundo. O caminho até ali tinha sido cheio de altos e baixos, mas ele sabia que estava no rumo certo. Não havia garantias de que tudo seria perfeito, mas agora ele tinha clareza, e mais importante, ele tinha ferramentas para continuar crescendo.
Enquanto colocava o último ponto final em seu manuscrito, Gustavo sorriu. Aquele livro era apenas o começo de algo maior — o começo de um novo caminho, que ele estava pronto para trilhar.
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