Capítulo 8: A Despedida de João

 O sol ainda não tinha nascido quando Dona Teresa chamou Chris para a cozinha. A expressão no rosto de sua mãe era séria, um contraste com o sorriso que ela costumava carregar nos momentos tranquilos que compartilhavam antes de começar o dia. Chris sentiu um aperto no peito antes mesmo de ela dizer qualquer coisa.

— Filho... — começou Dona Teresa, com a voz pesada. — Fiquei sabendo que o João foi preso ontem à noite.

As palavras ecoaram na cabeça de Chris como um golpe. Ele sabia que João tinha se envolvido com o tráfico há algum tempo, mas sempre acreditou que de alguma forma o amigo conseguiria sair antes que fosse tarde demais. A favela era assim: para muitos, as opções eram poucas e, muitas vezes, limitadas a dois caminhos — sobreviver ou ser tragado pela violência e pela criminalidade. Chris tinha escolhido o futebol; João, o tráfico.

Sentou-se à mesa, a cabeça abaixada, tentando processar a notícia.

— Preso? — repetiu ele, incrédulo. — Como isso aconteceu?

Dona Teresa suspirou, colocando uma mão delicada sobre a dele.

— Foi durante uma operação policial no morro. Disseram que pegaram ele em flagrante, com drogas... Parece que ele estava devendo pro pessoal do tráfico, e a polícia aproveitou a movimentação.

Chris balançou a cabeça lentamente, sentindo uma mistura de tristeza e raiva. João, seu melhor amigo de infância, aquele que sempre compartilhava o sonho de jogar futebol, agora estava preso, e a liberdade parecia cada vez mais distante para ele. A verdade era dura, mas inevitável: enquanto Chris escolhia o campo de futebol como sua saída, João havia escolhido as ruas perigosas da favela. E agora estava pagando o preço.

Lembrou-se de todos os momentos que viveram juntos. As tardes no campo de terra, onde, descalços, jogavam como se fossem grandes estrelas do futebol. Eles compartilhavam o mesmo sonho de se tornar jogadores profissionais, de sair da favela e dar uma vida melhor para suas famílias. Mas, com o tempo, as dificuldades e a realidade da pobreza apertaram cada vez mais. A tentação do dinheiro fácil havia falado mais alto para João, que começou a faltar nos treinos e a aparecer em lugares que Chris evitava.

Os dois tinham tomado caminhos diferentes, e agora isso nunca foi tão claro.

No mesmo dia, Chris decidiu visitar a mãe de João. Dona Lurdes, uma mulher que, assim como Dona Teresa, sempre lutou sozinha para criar os filhos, estava sentada na pequena sala de estar, com o olhar perdido no vazio. Ao vê-lo entrar, ela tentou esboçar um sorriso, mas era evidente que o peso da situação a esmagava.

— Como ele está, tia? — perguntou Chris, sentando-se ao lado dela.

Dona Lurdes suspirou profundamente, apertando um lenço nas mãos trêmulas.

— Está na delegacia ainda. Disseram que vai ser transferido para a prisão nos próximos dias. Eu... eu não sei o que fazer, Chris. Ele era um bom menino, só se perdeu no meio disso tudo.

As palavras dela ecoavam a dor de tantas mães na favela, mães que viam seus filhos sendo engolidos pelo ciclo de violência e falta de oportunidades. Chris abaixou a cabeça, pensando em como a vida na comunidade limitava as opções dos jovens. João não era mau, apenas não via outra saída. Para muitos como ele, o tráfico parecia ser a única maneira de sobreviver, de trazer algum dinheiro para casa, de escapar da miséria diária. Mas, no final, era uma prisão — literal ou figurada — para quase todos.

— Eu queria ter feito mais por ele... — murmurou Chris, sentindo um nó na garganta. — Talvez se eu tivesse falado mais, insistido mais...

— Não se culpe, filho — interrompeu Dona Lurdes. — Você fez o que pôde. E eu sei que ele te admirava. Só... só se perdeu no caminho.

Chris assentiu, mas a culpa ainda pesava. Ele e João tinham crescido juntos, e vê-lo naquela situação era como perder uma parte de si mesmo. A prisão de João era um lembrete cruel de como as opções na favela eram limitadas. O destino de muitos jovens era traçado pela falta de escolha, pela ausência de oportunidades e pela violência cotidiana.

Enquanto caminhava de volta para casa, Chris sentia o impacto da prisão de João em cada passo. Ele sabia que precisava continuar firme no seu caminho, nos treinos, nos estudos, e agora no teste que logo faria no time profissional. Mas a tristeza o acompanhava. João era o exemplo vivo de que o contexto em que nasciam moldava cruelmente as vidas de muitos jovens. A falta de estrutura, de apoio, de segurança, empurrava tantos para o crime, e João, seu irmão de infância, tinha sido mais uma vítima desse sistema injusto.

Naquela noite, deitado em sua cama, Chris refletiu sobre tudo. Sabia que o futebol era sua chance de escapar, mas João não tinha tido a mesma sorte. O tráfico, a violência, a pobreza — tudo isso puxava as pessoas para baixo, como areia movediça. E ele sabia que, se não fosse forte, poderia ser o próximo a cair.

A prisão de João era um marco doloroso na vida de Chris. Era o fim de uma amizade que começou no campo de terra, entre sonhos e risadas. Mas também era um lembrete da importância de continuar lutando. Se havia uma coisa que ele tinha aprendido com aquela perda, era que precisava ir até o fim com seu sonho, não só por ele, mas também por João. Ele jogaria não apenas por si mesmo, mas por todos aqueles que, como João, não conseguiram escapar.

O futebol, agora mais do que nunca, era sua única esperança.