O esconderijo estava mais silencioso do que nunca. Não por medo, mas por incerteza.
O rosto de Augusto, projetado na parede por um monitor precário, ainda estava ali. Um vídeo capturado às pressas durante a fuga, ampliado e analisado em busca de respostas. Cada detalhe era discutido — o olhar, o movimento das mãos, a postura de líder.
— Não foi um erro — disse Laura, apontando para o momento em que ele desviou o disparo. — Ele teve a chance de nos matar. Não fez.
— Ou estava apenas brincando com a gente — rebateu David, cerrando os punhos. — Essa coisa... não é mais o Augusto. É um soldado.
Antônio estava calado. Sentado em um canto escuro, o rosto coberto pelas mãos.
Milena se aproximou, com um pano molhado.
— Você precisa descansar.
— Eu preciso do meu filho de volta — ele sussurrou, sem olhar para ela.
Na sala de armamentos, Rafael revisava munições antigas enquanto JP examinava um painel cheio de mapas e rabiscos. O clima estava carregado, mas havia entre eles uma energia diferente. Uma pausa suave no meio do caos.
— Você acredita que ele pode voltar? — perguntou Rafael.
— Tecnicamente? Não sei. Se o chip estiver fundido ao córtex emocional, as lembranças podem estar corrompidas. Mas...
— Mas?
JP desviou o olhar, depois sorriu de lado.
— Tem coisas que nem a engenharia alienígena apaga. Instinto, afeto, saudade.
Rafael se aproximou, parando ao lado dele.
— Você fala bonito demais pra alguém que vive de parafusos e fios soltos.
JP deu uma risada abafada.
— E você é bonito demais pra esse fim de mundo.
Houve um silêncio. Um silêncio diferente. Não o da tensão, mas o da possibilidade.
Rafael estendeu a mão e tocou o ombro de JP.
— Se esse mundo acabar amanhã, eu não quero ir sem saber como é segurar tua mão sem estar com medo.
JP apenas assentiu, entrelaçando os dedos aos dele.
Na sala de decisões, o clima era outro.
— Ele tem que ser eliminado — disse David, firme. — Um líder treinado pelo inimigo, com o rosto de um de nós. É arriscado demais.
— E se fosse teu irmão? — rebateu Milena, cruzando os braços.
— Meu irmão não está lá fora liderando uma caçada contra nós.
Antônio se levantou lentamente, cada palavra como uma lâmina:
— Eu vi os olhos dele. O chip pode ter o corpo, mas a alma... ainda luta. Ele me reconheceu. Ele hesitou.
— Ou foi programado pra te enganar — respondeu David, seco.
— Se ainda há 1% de chance, eu vou correr o risco. Eu sou o pai dele. E ele não nasceu pra ser um inimigo.
Naquela noite, o grupo ficou dividido. Havia tensão. Havia medo. Mas também esperança. Os que defendiam Augusto formaram um pequeno grupo: Laura, Milena, Rafael, JP e Antônio. Os demais decidiram manter distância da missão de resgate — mas prometeram não interferir.
Antônio escreveu uma carta. Deixou sobre a cama improvisada. Era simples, direta. “Se não voltarmos, lutem. Por todos nós.”
Com o grupo reunido ao redor de um mapa, onde uma marca em vermelho indicava a última localização de Augusto, a tensão estava ao estremo.
— Ele está ali — disse Dehr, observando o traçado. — Um posto de comando. Se ele ainda for quem você acredita, Antônio... será sua última chance de trazê-lo de volta.
Antônio respirou fundo. Os olhos marejados, mas firmes.
— Então vamos descobrir. Se meu filho ainda existe... ele vai me ouvir.
