Capítulo 9: A Última Chuteira

 O som da bola batendo contra o chão de terra ainda era familiar para Chris, mas o peso nos seus pés era algo que ele já não conseguia ignorar. Suas chuteiras estavam no limite. As laterais rasgadas, o solado gasto e a palmilha quase saindo. Cada corrida, cada chute, ele sentia o desgaste. Mas, mesmo com tudo isso, Chris continuava. Ele não podia parar.

Era início da tarde, e o calor no campo improvisado era sufocante. Chris olhou para seus pés enquanto ajeitava os cadarços, que pareciam ser a única coisa mantendo as chuteiras unidas. Ao seu redor, os outros garotos do time também sofriam com a falta de estrutura. Alguns jogavam com chuteiras emprestadas, outros descalços, mas todos compartilhavam a mesma paixão pelo futebol. Para eles, era mais do que um esporte — era uma chance de fugir de uma realidade cheia de limitações.

— Essas chuteiras já deram o que tinham que dar, hein, Chris? — brincou Jefinho, um dos companheiros de time, enquanto se alongava.

Chris deu um sorriso fraco.

— Tá na hora de me despedir delas — respondeu ele. — Só que o problema é que não tem substituta.

Jefinho riu, mas sabia que a situação era séria. No time de base, quase nenhum garoto tinha dinheiro para comprar chuteiras novas. Dependiam de doações, de parentes que guardavam um trocado ou de vizinhos que, quando podiam, ajudavam com algo. Chris já tinha recebido um par de chuteiras de segunda mão uma vez, mas elas também não duraram muito. Agora, só restavam aquelas, as últimas. E estavam quase no fim.

Nos treinos, Chris dava o máximo, como sempre, ignorando o desconforto. Ele sabia que ser notado pelos técnicos exigia mais do que habilidade. Exigia resiliência. E isso ele tinha de sobra. Mas a falta de recursos começava a pesar, e ele sentia cada vez mais a diferença entre ele e os outros garotos que, nas escolinhas fora da favela, tinham equipamentos de qualidade, treinadores capacitados e um ambiente de apoio.

— Ei, Chris, olha só isso — disse Jefinho, chamando sua atenção para o lado do campo. Um dos garotos do time adversário estava com chuteiras novas, reluzentes. Dava para ver de longe a qualidade do material, e a diferença gritante entre as chuteiras dele e as de Chris era impossível de ignorar.

— A vida é assim mesmo, Jefinho — respondeu Chris, tentando não demonstrar frustração. — A gente faz o que pode com o que tem.

O jogo começou, e Chris, como de costume, dava seu melhor em campo. Mas a cada chute, a cada drible, sentia as solas gastas das chuteiras cedendo. Em um dos lances mais importantes da partida, ele recebeu a bola em uma posição perfeita. Tinha a chance de finalizar e fazer o gol, mas no momento do chute, sentiu a chuteira rasgar completamente. A bola saiu fraca, e a jogada foi perdida. O time adversário rapidamente recuperou a posse, e o gol que poderia ser dele se transformou em um contra-ataque.

O juiz apitou o fim do jogo logo depois. Chris olhou para os pés e viu que sua chuteira direita estava completamente aberta. Já não havia como usá-la mais.

— Foi mal, pessoal... — murmurou, sentindo o peso da culpa. Alguns colegas de time se aproximaram, mas ninguém disse nada. Todos sabiam da dificuldade que enfrentavam. Era uma batalha desigual.

Depois do jogo, Chris caminhou de volta para casa em silêncio. Estava exausto, e agora, sem chuteiras, tudo parecia mais difícil. Sua mãe, Dona Teresa, o recebeu com o sorriso habitual, mas logo percebeu o abatimento no rosto do filho.

— O que aconteceu, meu filho? — perguntou ela, preocupada.

Chris suspirou, sentando-se na pequena mesa da cozinha.

— Minhas chuteiras... rasgaram de vez hoje. Eu não sei como vou continuar jogando assim, mãe. O teste está chegando, e eu preciso de chuteiras novas, mas a gente mal tem dinheiro pra comer.

Dona Teresa sentou-se ao lado dele, segurando suas mãos com carinho.

— Eu sei que as coisas estão difíceis, Chris. E eu sei o quanto você tem lutado. Mas a gente sempre dá um jeito, não dá? Você chegou até aqui, meu filho. De algum jeito, você vai conseguir superar isso também.

As palavras de sua mãe sempre traziam um conforto estranho, mesmo quando a situação parecia desesperadora. Chris sabia que não seria fácil. Sabia que o futebol exigia sacrifícios, e que, no seu caso, esses sacrifícios eram ainda maiores. Mas ele também sabia que desistir não era uma opção. Ele havia chegado longe demais.

No dia seguinte, Chris foi para o treino sem chuteiras. Alguns colegas perceberam, mas ninguém disse nada. Ele continuou treinando, mesmo descalço, sabendo que, de alguma forma, precisaria encontrar uma solução antes do teste. Durante o treino, seu treinador, observando a situação, chamou-o de canto.

— Chris, por que não está de chuteira hoje? — perguntou o treinador, que sabia das dificuldades financeiras de muitos dos garotos, mas sempre tentava ajudar quando possível.

— Elas rasgaram ontem, professor... — respondeu Chris, sem rodeios.

O treinador balançou a cabeça, compreendendo o desafio. Ele conhecia Chris há tempo suficiente para saber o quanto o garoto era dedicado. Já tinha visto muitos jovens promissores abandonarem o esporte por falta de recursos, e não queria que Chris fosse mais um.

— Vou ver se consigo algo pra você — disse o treinador, colocando a mão no ombro de Chris. — Você não pode parar agora. Falta pouco pro teste, e você tem talento. Não vamos deixar isso atrapalhar.

Chris agradeceu com um sorriso tímido, sem muita esperança. Ele sabia que não era fácil conseguir chuteiras novas, ainda mais em um time onde todos lutavam pelas mesmas poucas oportunidades. Mas ele continuava. Continuava porque, apesar de tudo, o futebol era sua única saída.

Os dias se arrastaram, e Chris seguiu treinando descalço, até que, no dia anterior ao teste, o treinador o chamou novamente após o treino.

— Chris, olha o que eu consegui pra você — disse o treinador, entregando-lhe um par de chuteiras usadas, mas em bom estado. — Não são novas, mas vão te ajudar a passar por esse teste.

Chris olhou para as chuteiras nas mãos do treinador e sentiu um alívio imenso. Elas não eram novas, mas eram o que ele precisava. Ele as calçou ali mesmo, e o sentimento de esperança começou a brotar de novo.

— Obrigado, professor. De verdade — disse Chris, emocionado.

O treinador sorriu.

— Você merece, garoto. Agora vai lá e mostra pra eles do que você é feito.

Naquele momento, Chris soube que, apesar de todos os obstáculos, ele tinha algo que ninguém podia tirar dele: a vontade de vencer. Com ou sem chuteiras, ele estava decidido a lutar até o fim pelo seu sonho.