Eu sou uma farsa. E talvez você também seja. A verdade é que, quando nos aproximamos de alguém, dificilmente somos nós mesmos. Criamos um personagem simpático, misterioso, engraçado — dependendo do que achamos que o outro espera. Rimos de piadas sem graça, fingimos interesse em filmes que nunca assistimos, elogiamos gostos que, se fosse em qualquer outro contexto, desprezaríamos. E tudo isso por quê? Para sermos aceitos. Para sermos desejados. Para ganharmos atenção, mesmo que ao custo da nossa autenticidade.
É impressionante como o jogo da conquista é, na maioria das vezes, um teatro. Uma troca de papéis cuidadosamente ensaiados. Fingimos não estar ansiosos pela mensagem que não chega. Fingimos não nos importar quando o outro se afasta. E assim, seguimos em um relacionamento que, muitas vezes, nem começou de verdade. A gente não se mostra por inteiro — e nem o outro. A verdade fica encostada na parede, observando calada enquanto duas versões editadas de duas pessoas tentam se apaixonar.
Eu sou uma farsa quando disse que você era uma pessoa bonita. Eu sou uma farsa quando eu disse que não conhecia sua cidade. Eu sou uma farsa quando fingi não saber tocar aquela música que você adorava, só pra deixar você se exibir. Eu sou uma farsa quando fingi que amava gatos. Eu sou uma farsa quando sorri do seu meme repetido. Eu sou uma farsa quando disse que estava tudo bem você desaparecer por dias. Eu sou uma farsa quando fingi surpresa ao descobrir que você também ouvia aquela banda (que eu só ouvi depois que você falou). Eu sou uma farsa quando disse que sua voz era calma — quando, na verdade, me irritava. Eu sou uma farsa, e talvez a pior mentira tenha sido aquela em que finjo que não percebi que você também mentia.
Mas, veja bem, talvez não seja tão absurdo assim. Criar um personagem pode ser parte do processo de nos aproximarmos de alguém. Um escudo. Um verniz. Uma tentativa de colocar o nosso melhor lado na vitrine. Não há crime em querer causar uma boa impressão. A grande questão é: quando é que largamos o roteiro e passamos a viver a história de verdade? Fingir é humano — mas permanecer fingindo é covardia. Não com o outro. Com a gente.
As relações verdadeiras, aquelas que nos marcam de verdade, não pedem máscaras. São construídas nos bastidores, no caos da vida real, nos dias em que não conseguimos fingir que está tudo bem. São nossos amigos que sabem dos nossos defeitos e ainda assim nos amam. São os vínculos que resistem ao nosso eu sem edição. Usar uma máscara pode até funcionar no início, mas ela pesa. E, com o tempo, podemos acabar afastando alguém que teria amado exatamente aquilo que tentamos esconder. A nossa bagunça. A nossa verdade.
No fim, a maior farsa não foi o elogio mentiroso, nem o gosto musical adaptado, nem a piada sem graça que a gente riu. A maior farsa foi a que contamos pra nós mesmos. Aquela em que fingimos que não ligávamos. Que não nos importávamos. Que era só mais um crush. Que não doía. Que era só mais um jogo. E talvez essa mentira tenha sido a que mais doeu. Porque, no fundo, a gente se importava. E muito.